quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

quando

Quando achava que já não havia esperança, uma bem verde pousou-lhe na janela.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

cintilância

desde que brota
desejante
vai umedecendo de vida todo o curso

num remanso
embora feita de assossego
embora pura harmonia
inacessível e mansa
branca e elegante se faz garça

e num segundo de descuido
deixa-se fotografar
desnuda

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Momento

O espelho que me interroga evoca antigo retrato
no quarto deserto, inundado por oceano de aço,
onde correntes de versos vazados a faca se esvaem
em cartas não escritas, laços frágeis,
pássaros feitos pedra em pleno vôo.

Nostalgia de percorrer estradas
sem rumo certo ou prazo de chegar.


(poema premiado com o 3º lugar no concurso literário Fliporto 2006)

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Rato

El espejo que me interroga evoca antiguo retrato
en el cuarto desierto, inundado por océano de acero,
donde corrientes de versos traspasados por cuchillo se desvanecen
en misivas no escritas, lazos frágiles,
pájaros cambiados em piedra en pleno vuelo.

Añoranza de recorrer calles
sin rumbo cierto o plazo de llegar.

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Livre versão do poema, pela autora, para o espanhol, agradecendo as correções feitas pelo poeta cubano Alina Galliano

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Só por isso

Porque refrescou no fim da tarde, cantou com a voz dos pardais e o sino dos ventos.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

eterno

mais que sorriso silente
mais que ruidosa mudez

mais que paleta de tintas
ressecada, quebradiça
que o pincel endurecido
no ateliê deserto

mais que partir outra vez
dói a terrível certeza
do retorno sempre certo



Clique no título e ouça o poema na voz de Mariane Bigio, no programete Pois é, Poesia

acidente de percurso

Já começou errada. Nos sonhos via-se outra. Lembrando de estudos e práticas antigas, herméticas, sonhava de olhos abertos, na intimidade aconchegante da poltrona velha de couro na biblioteca do avô.

Passou a vida tentando apagar as próprias pegadas. O colo materno não redimia; mesmo seguindo os passos do pai e da mãe (e talvez por isso mesmo), estava errada.

Culpada de não ter pintado, cantado, dançado, por habitar um mundo que não era o seu. Quantas guerras lutou que não lhe diziam respeito.

Porque não teve coragem de bradar o seu serei poeta ou nada. Nunca empreendeu sua viagem à Ìndia. Nem a crise nervosa a justificava. Pelo contrário: era delação. Culpada. Errada. Não era questão de velocidade nem direção, mas de sentido.

Como é que agora, o corpo preso entre as ferragens, vem com essas desculpas?

não-falo

falo de mãos e de dedos
falo de figos
e de seus segredos

falo de lábios e línguas
falo de peixes e serpentes
e maçãs

falo de pele e de arrepio
falo de velas, espadas e
bastões

falo de cheiros e de sabores
falo de flores
falo de romãs

falo de cálices, de sinos
e de torres
falo de calores e de convulsões

falo e a noite se vai
e eu não durmo

não-falo

Sabrina

O nome era Sabrina. Conheci fazendo ponto na frente do hotel. Uma pele de cetim, olhos brihantes na carinha de criança. De jeans e camiseta, não fossem os cabelos oxigenados, lembrava minha filha adolescente, o corpo ainda em formação.
- Entraí.
- Já entrei, gatão.
- Quantoé?
- Pra você, cem paus.
- Émuito.
- Tá bom, baixo pra cinqüenta se me pagar uma bebida.
Fechou a porta do carro e seguimos. Pedimos duas caipirinhas, o garçom me olhava divertido, será que o sacana pensava que eu não dava conta da ninfetinha?
- Me dá um cigarro?
Quando aproximei o isqueiro do rosto para acender, vi que tinha o olhar bastante seguro para alguém tão jovem. Me provocava, muito à vontade. Tomamos mais uma caipirinha, não demorou paguei a conta e saímos. Entramos no carro, que estava parado numa rua lateral, sem qualquer movimento àquela hora, ela sentou no banco do passageiro, manteve a porta aberta.
- Só tem uma coisa, é adiantado.
- Qualé, minha filha, achaquetenhocaradeotário?
- Olha, você parece um coroa legal mas já levei calote e agora só trabalho adiantado. Se não interessa, então volto pro meu ponto.
Não sei o que me deu, puxei a arma do porta-luvas.
- Entraaí, tô mandando.
Ao invés de entrar, ela fez menção de correr. Joguei a arma no chão do carro, dei partida e arranquei cantando pneu.
No dia seguinte, era o assunto no escritório.
- Cara, você viu?, mataram mais uma boneca. Dizem que foi queima de arquivo, o gajo tinha testemunhado a morte de uma coleguinha uns meses atrás. Ou então a moçoila não quis dar pra algum bundão.
Não sei o que me deu. Ela era um petisco, mas não era a única. E nem havia me reconhecido.

Entrevista sobre o livro de contos eróticos Pimenta Rosa

No dia 1° de outubro de 2006, o Café Colombo recebeu nos estúdios da Rádio Universitária as escritoras Beatriz Brenner, Gerusa Leal, Inah Lins, Lucia Moura e Virgínia Leal para discutir o livro de contos eróticos Pimenta Rosa.
GERUSA LEAL [11/08/2008]

Pouco antes da viagem
Desse aqui pro outro mundo
O cisne já moribundo
Canta fazendo miragem
Mas o seu canto é voragem
Apesar de doce e alado
E mesmo ouvi-lo calado
Ilude e a mente tonteia
Que na gravura em madeira
Esse Samico é um danado

Cruzando a noite e as ondas
Do mar e do pensamento
Serpenteia seu lamento
Que ninguém dele se esconda
Pois se vem feito anaconda
Enrodilhar-se ao coitado
Não há choro não há brado
Que segure a maré cheia
Que na gravura em madeira
Esse Samico é um danado

A lua divide em duas
A do céu e a do inferno
E as duas somam o eterno
Assim as serpentes nuas
E tudo que continua
Permanece lado a lado
E é assim nesse estado
Que a vida rola na esteira
Que na gravura em madeira
Esse samico é um danado

em Corda Virtual http://www.interpoetica.com/corda_samico.htm